domingo, 13 de abril de 2014
Porque é que as empresas não valorizam os seus trabalhadores?
Artigo redigido por António Machado Vaz*
AMV10|2013-14
Porque é que as empresas
não valorizam os seus trabalhadores?
1 - Este fim-de-semana foi lá a
casa jantar o meu amigo Joaquim. O Joaquim tem a minha idade e trabalha há 10
anos na Sonae (uma das maiores empresas Portuguesas e um colosso do sector da
distribuição e das telecomunicações). A certa altura, queixou-se que tinha sido
preterido para um cargo de chefia (nada de de especial. Não era para Diretor,
nem nada que se pareça. Falamos de uma mera chefia intermédia). Apesar de estar
há 10 anos no mesmo departamento, apesar de ser altamente experiente e de ter
um conhecimento privilegiado do sector, o Joaquim não foi promovido. O diretor do
seu departamento tinha ido buscar ao mercado uma pessoa para ocupar o cargo
que, numa progressão natural de carreira, seria seu. Um cargo bem remunerado
(ao contrario do dele). E perguntava-me o Joaquim: “Onde está a justiça nisto?! Onde está a recompensa de 10 anos de
trabalho bem feito, numa área tecnológica - e portanto altamente diferenciada?!”
Depois falou no Belmiro de
Azevedo, chairman do grupo que, um
belo dia, se saiu a dizer que “as pessoas
deviam pagar para trabalhar na Sonae” (como isso não é possível, limita-se
a pagar-lhes o mínimo possível...) Pus-me a pensar nisso e conclui o seguinte:
apesar de chocante, a ideia de Belmiro corresponde a uma determinada visão do
mundo – e essa visão não é desprovida de sentido[1]:
a ideia é que o Joaquim, ao sair da faculdade, tem um conjunto de
ferramentas... que de pouco valem porque
ele não sabe como as usar no mundo real. Ele apenas conhece a teoria. Em 10
anos, a Sonae deu-lhe experiência pratica (a troco do retorno correspondente -
isso está fora de questão). Neste momento, o Joaquim é um profissional
diferenciado, que trás valor acrescentado a quem o contratar (e que, por isso,
merece um salário melhor, mais responsabilidades, etc).
O passo lógico seria... ele
aproveitar esse capital de conhecimento e experiência e "ir à vida
dele" – i.e.: ir rentabiliza-lo para outro lado.
Consequências que daí adviriam:
ele evoluía (numa nova empresa ou num negócio próprio) e a Sonae, das duas,
uma: ou o substitui por alguém mais caro (alguém com as mesmas competências mas
que tem de ir recrutar ao mercado) ou escolhe começar o processo de novo
(apostando em alguém saído da faculdade, sem experiência, que vai ter de formar
do "zero" – o que também tem um custo associado).
Ou seja: se o Joaquim fizer o que
é suposto e evoluir, a Sonae ficará sempre a perder. E se houver muitos "Joaquins
", a determinada altura a Sonae vai ter de começar a desenvolver planos de
carreiras e formas de reter as pessoas que demorou anos a desenvolver.
Problema: neste momento, o nosso mercado não abunda em
oportunidades e os "Joaquins" também não são muito dados a arriscar.
E se não saem pelo seu próprio pé, as "Sonaes" chegam à conclusão que
compensa mantê-los estagnados: para quê pagar mais se eles não se vão embora?
Para quê motiva-los se, mesmo insatisfeitos, eles continuam altamente
produtivos?
2 - Mas o problema para a empresa
pode ser mais complexo do que isso: e se, afinal, o Joaquim não constituir a
regra mas antes a exceção? E se já tiver havido vários trabalhadores com
elevado potencial que se foram embora? Trabalhadores com a combinação certa
entre conhecimento técnico e experiência? Entre adaptação aos valores da empresa
e conhecimento do negócio? E se a empresa não tiver a capacidade de reter os
melhores? E tiver apenas ficado com os acomodados e com aqueles que não têm
valor para serem recrutados pelas outras empresas do mercado?
A Sonae é conhecida por ir ao
mercado recrutar os melhores: seja os melhores alunos das faculdades (com
salários baixos, que se mantêm assim durante anos); seja os melhores
profissionais séniores (para os cargos dirigentes - e, esses sim, são muito bem pagos. Se tivesse uma política
de retenção de talento, não pouparia dinheiro? Ir recrutar ao mercado fica
sempre mais caro. Se apostasse na "prata da casa", garantindo um
aumento gradual de responsabilidade (e salário), a empresa estaria
simultaneamente a garantir uma aposta mais segura (em trabalhadores que já
estão adaptados à sua estrutura) e um maior retorno (dado que,
proporcionalmente, não terá de pagar salários tão altos aos cargos dirigentes).
3 – A certa altura, o meu amigo
Joaquim - talvez por estar desiludido com a situação - disse: "Nunca mais chega a reforma pra eu me poder
dedicar aos projectos que realmente gosto!..." O Joaquim tem 35 anos
(!!!). Fala como se tivesse chegado ao fim da linha. Como se não houvesse
esperança e já tivesse feito tudo o que podia. Não fez: o problema dos
trabalhadores portugueses é que têm qualidade mas não a sabem comunicar. O meu
problema também é esse. Por isso é que escrevo artigos e frequento o Toastmasters - para expor o meu trabalho
e melhorar a minha capacidade de exposição oral. Porque cheguei à conclusão que
consigo prender a atenção das pessoas... mas que não as consigo verdadeiramente
emocionar. E, nesta fase da vida, não é enviando CVs que as oportunidades
surgem. É comunicando qualidade sempre que possível; é impressionando quem tem
contacto connosco no mercado.
4 - A minha conclusão é que
estamos notoriamente num estágio de desenvolvimento abaixo de outros mercados.
Só com maior espírito competitivo é que as empresas passarão a tentar potenciar
todo o potencial dos seus trabalhadores - porque só com trabalhadores motivados
é que é possível produzir verdadeira inovação, excelência, vantagens
competitivas. Só assumindo verdadeiramente que "as pessoas são o nosso maior activo" (deixando de ser esse
apenas um chavão, que fica bem dizer mas que está longe de ser realmente
implementado nas empresas) é que conseguiremos ter produtos e serviços de
qualidade, realmente inovadores e com valor acrescentado para o cliente.
Mas tudo está interligado: e só
com trabalhadores qualificados, competentes e competitivos – e que saibam
comunicar essa maior qualidade - é que as empresas se sentirão pressionadas a valorizar
os seus profissionais e a assumir verdadeiras políticas de RH.
[1]
Belmiro é um homem admirável, de origens humildes mas que, actualmente, tem uma
fortuna avaliada em 2,5 mil milhões (dados da Forbes de 2014). Sendo um homem
polémico, sempre fez questão de ter independência para dizer o que lhe vai na
alma sem medo das consequências - e isso implica não estar ligado aos centros
de poder político.
* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.
Postado por Davide Gouveia às domingo, abril 13, 2014
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