segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Como gerir um funcionário sem ética

Artigo redigido por António Machado Vaz*   
AMV13|2013-14 

Grande parte das empresas funciona sob a ilusão de que os empregados são geralmente “pessoas de bem” e que as “maçãs-podres” são uma exceção: funcionários sem ética são pouco produtivos e, como tal, devem ser despedidos. E a conversa acaba aqui.  
Este é um equívoco comum. Geralmente pensamos que a honestidade e a competência têm uma correlação positiva - mas a verdade é que existem tantas pessoas honestas que são incompetentes como pessoas competentes que são desonestas.
Ainda recentemente, em conversa com a nossa amiga Marlene Rosário (Directora de RH da Bosch – Ovar Plant) ela dizia que, na Bosch, a avaliação do desempenho dos trabalhadores tem em conta – não apenas se os objectivos foram alcançados – mas também o modo como esses objectivos foram atingidos (i.e., se estão de acordo com os valores éticos que a empresa pratica). E, de facto, se pensarmos bem, é possível ser altamente produtivo deixando um “rasto de destruição” à sua volta: chefias que abusam dos elementos da sua equipa, trabalhadores que se evidenciam à custa do trabalho dos seus colegas, vendedores que poem em causa relações futuras com clientes e fornecedores só para aumentarem a margem de lucro numa única transacção.
A actuação dos trabalhadores reflecte-se na imagem das empresas – e a reputação desta no mercado é o seu maior activo. Basta pensarmos nos escândalos Enron e WorldCom, que para além de levarem essas empresas à falência, custaram à economia norte-americana cerca de 40 mil milhões de dólares.

A Harvard Business Review publicou recentemente um artigo que pretende dar resposta a esta questão: Como se lida com indivíduos com comportamentos pouco éticos, especialmente se forem talentosos e difíceis de substituir?
Nele, Tomas Chamorro-Premuzic[1], enumera alguns exemplos extraídos da literatura académica sobre a maneira de gerir empregados moralmente débeis:

Liderar pelo exemplo: Tem de haver coerência entre o que as chefias apregoam e a forma como actuam. As pesquisas provam que o nível de moralidade dos líderes determina o grau em que os empregados percebem a organização como sendo ou não ética. Para os gestores, a implicação é clara: se quer que os seus empregados atuem com moralidade, comece por fazer o mesmo. Isto é particularmente importante para os gestores diretos. Não adianta prometer recompensas que sabe à partida que não pode proporcionar. Mas também não adianta usar um discurso miserabilista, escudando-se na “crise” para não recompensar os seus trabalhadores, se depois a empresa publica relatórios de contas a propagandear aos accionistas os excelentes resultados daquele exercício. A credibilidade da organização é essencial para mobilizar os seus trabalhadores – e o “rosto” da organização junto dos colaboradores são as chefias. Os estudos meta-analíticos demonstram que, quando os subordinados confiam nos seus supervisores, são mais motivados e, logo, mais produtivos no trabalho - por isso toda a gente fica a ganhar.

Apostar na meritocracia: Conta-se que, há uns anos, no calor de uma discussão sobre uma decisão estratégica, um administrador de uma grande empresa não tinha mais argumentos para convencer um dos seus diretores e ameaçou: "Não esqueça que o senhor ocupa um cargo de confiança!" "Está enganado" – reagiu o director - "o cargo é de competência! Se fosse de confiança quem estava no meu lugar era o seu filho." Muitas empresas privilegiam a “confiança pessoal” em vez da competência. Involuntariamente, a mensagem que é transmitida para os trabalhadores é que por muito que se esforcem, os lugares de chefia serão sempre atribuídos a familiares e amigos (onde se inclui o colega de partido, o facilitador ou outra figura do género) - e não necessariamente aos que estão melhor preparados para exercer essas funções.  
As empresas que apostam na transparência – definindo planos de carreira claros, para que os trabalhadores percebam quais os passos que devem dar para serem promovidos até ao topo da hierarquia (desempenhando funções diversificadas, adquirindo formação e experiência) – transmitem um sentido de segurança, justiça e confiança aos seus trabalhadores. A certeza de que vale a pena trabalhar seriamente pois as recompensas surgirão a médio/longo prazo. Porque a confiança gera confiança.

Comprometimento: As pesquisas mostram que a satisfação no trabalho é responsável por alguns dos efeitos de moralização pessoal no comportamento profissional contraproducente. Mesmo os indivíduos menos éticos terão mais probabilidade de agir moralmente se estiverem comprometidos com o trabalho: se tiverem um trabalho desafiante, se tiverem a noção que são uma peça importante da equipa e que a sua performance pode influenciar o resultado final; se se sentirem valorizados, se sentirem que são tratados como adultos e lhes são dadas responsabilidades e oportunidades de progressão na carreira. Dentro da mesma lógica, alienar os trabalhadores dos processos de decisão, mostrar-lhes que por muito que se esforcem “não fazem mais do que a sua obrigação”, deixa-los estagnar na carreira, pode aumentar o descomprometimento moral até dos mais íntegros.

Invista em formação moral. A maioria das pessoas desenvolve as suas predisposições morais antes de chegar à idade adulta. Assim, as organizações podem influenciar as escolhas éticas dos empregados através de programas educacionais explícitos. Por exemplo, o "Ethics Resource Center" relata que as empresas que implementam programas formais para apoiar as escolhas éticas, como o whistleblowing (ie, a denúncia de comportamentos ilegais), diminuem os comportamentos contraproducentes e as condutas incorretas, além de aumentarem a satisfação dos empregados.

Reduza as tentações: Como disse Oscar Wilde, "toda a gente pode ser boa no campo: aí não há tentações". O comportamento ético é uma função, tanto das personalidades das pessoas, como das situações em que se encontram. Toda a gente tem um lado negro, mas os aspetos anti-sociais das nossas personalidades têm muito mais probabilidade de vir à superfície em ambientes tóxicos ou situações de pressão moral fraca. É difícil mudar a personalidade de alguém, mas os gestores podem fazer muito para mudar o ambiente em que os seus colaboradores vivem. Podem ajudar os colaboradores que são menos capazes de exercer o autocontrolo, instituindo procedimentos que desencorajem esses comportamentos – por exemplo: ao proibir que os colaboradores aceitem ofertas acima de 50 dólares – sejam elas quais forem – deixa de existir a tal “zona cinzenta” em que meras ofertas de cortesia se tornam subornos/instrumentos de pressão.

Crie uma cultura altruísta: Embora a cultura organizacional não possa ser criada da noite para o dia, os relatórios meta-analíticos demonstraram que uma cultura assente em valores altruístas (como a “responsabilidade social corporativa”) desencoraja os comportamentos profissionais sem ética. Por outro lado, uma cultura que promove apenas o interesse próprio incentiva a lógica de que os “meios justificam os fins”. Mas atenção: não é suficiente incluir a "integridade" como um valor organizacional nuclear - a maioria das empresas já o fazem, juntamente com a "criatividade", a "diversidade" e a "atenção ao cliente ". Mas isso de nada adianta se forem meros chavões: palavras bonitas que se escrevem nos websites. O que é importante é persuadir os trabalhadores que a organização valoriza verdadeiramente comportamentos generosos e altruístas.

Claro que, nesta altura, poderá estar a perguntar-se: não será possível, simplesmente, não contratar pessoas desonestas? Isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Um gestor pode tentar aperceber-se da moralidade de um candidato através de entrevistas ou questionários de avaliação pessoal cuidadosos. Mas, como foi referido num artigo recente, existe "um problema lógico com a auto-avaliação da integridade. As pessoas que não a possuem especializam-se em manipulação e engano, o que torna as suas auto-avaliações uma fonte duvidosa de informação".
E, contudo, visto que a prevenção é claramente a melhor solução, os responsáveis pelo recrutamento terão de confiar noutros meios: a avaliações pelos pares, a avaliações 360º (em que a organização avalia a relação do avaliado não só com os pares e com as chefias mas também com os seus subordinados) e uma verificação rigorosa das referências. O comportamento passado é o melhor meio de prever o comportamento futuro, pelo que obter dados fiáveis acerca da reputação dos candidatos é a melhor maneira de avaliar a sua integridade. Se não o fizermos, os comportamentos imorais continuarão a ser o "assassino silencioso" de carreiras individuais e da eficácia organizacional.

* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.


[1]Tomas Chamorro-Premuzic é uma autoridade internacional em perfis de personalidade e testes psicométricos. É professor na University College London (UCL), vice-presidente de investigação e inovação na Hogan Assessment Systems, tendo leccionado anteriormente na London School of Economics e Universidade de Nova Yorque. É co-fundador da metaprofiling.com e autor do livro Confidence: Overcoming Low Self-Esteem, Insecurity, and Self-Doubt.