Artigo redigido por Davide Gouveia*
DG70|2007-13|14
Por definição, líderes conduzem mudanças. Quando a
vida está em ordem, as tarefas são previsíveis e quase tudo estão indo bem, as
pessoas não querem nem precisam de muita liderança. Quando estão satisfeitas e
seguras, querem o “statu quo”. Pessoas satisfeitas não se encontram em um estado
psicológico de necessidade que as conduza a adotar um líder e buscar mudanças.
Nestas circunstâncias, elas querem uma liderança em tempo de paz ou, mais
precisamente, gerência em tempo de paz. Tempo “de paz” e “de guerra” não se
refere neste contexto a conflito, mas, pelo contrário, à diferença entre
condições nas quais os acontecimentos são previsíveis de forma razoável, com
certo senso de conforto e controle, e aquelas em que pouco se pode prever com
certeza, onde há pouco conforto ou senso de controle. Muitas organizações, mas
sobretudo as de negócio, deixaram as condições de paz para as de guerra desde o
princípio da década de 80.
Tempos de paz não possuem crise nem caos, de modo
que nenhuma mudança maior é necessária. Ao contrário, as pessoas estão contentes
com o que já existe e a mudança envolve uma sacudidela em um sistema existente
no intuito de lentamente melhorá-lo. A gerência em tempo de paz consiste de
modificações graduais do que já existe, sem maiores rupturas e, portanto sem
maiores conseqüências emocionais. Sem o senso de emergência ou urgência, os
líderes não precisam ser especiais e não precisam gerar adeptos emocionais.
Eles são apenas pessoas que ocupam posições de poder. Qualquer um nestas
posições é visto como um líder independente do que faz, pois não há muito a
fazer. E está tudo bem para os seguidores enquanto a vida permanecer
confortável e em ordem. (isto explica o conflito comum entre aqueles que querem
conduzir outros para a mudança maior como se fosse tempo de guerra e aqueles que
se recusam a se tornarem seguidores, insistindo que ainda é tempo de paz.).
Encontramos cada vez menos circunstâncias as quais
os gerentes em tempo de paz podem ser bem sucedidos pois, em termos gerais, as
condições de tempo de paz acabaram. Nesta era de globalização, “o perigo na
zona de conforto” foi substituído pela necessidade de encontrar conforto no
interminável perigo. Deixe-me ilustrar o que está mudando com um breve
episódio. A importância desta história ainda hoje reside em seu caráter usual.
O mundo mudou e a mudança veio para ficar. De forma
crescente, a zona de conforto está sendo substituída pelo perigo interminável.
Por sua vez, os gerentes em período de paz, pessoas mais satisfeitas em
condições estáticas, terão de aprender a se tornar líderes em período de
guerra, pessoas que abraçam uma mudança maior porque vêem muito mais
oportunidades do que ameaças na turbulência. Infelizmente, muitos gerentes
voltados para o tempo de paz terão de ser substituídos por não perceberem isso.
As condições do período de paz não facilitam a geração de lideres para tempos
de guerra. Na paz, as pessoas não têm oportunidade de melhorar suas aptidões de
modo a não temerem a mudança e fazerem a escolha certa, embora difícil.
A necessidade emocional, ou a busca por líderes,
resulta das condições de mudança, crise e urgência que chamo de tempo de
guerra. Na perturbação das condições do tempo de guerra, quando o mundo está
assustado e o futuro é incerto, quando as pessoas experimentam o medo, o
terror, os maus presságios e o cansaço extremo, elas necessitam emocionalmente
de um líder, alguém em quem possam confiar e com quem queiram assumir um
compromisso emocional. Os líderes despertam associações emocionais nos
seguidores somente até onde estes estão emocionalmente necessitados.
O que fazem os líderes do tempo de guerra
Observando as organizações que lutam com as
turbulentas transições de hoje, identifico seis coisas a serem feitas pelos
líderes que parecem especialmente críticas para criar um senso de forte
liderança e alcançar o sucesso. Os líderes devem (1) definir o negócio da
empresa, (2) criar uma estratégia de liderança, (3) comunicar-se de forma
persuasiva, (4) comportar-se de modo íntegro, (5) respeitar os outros e (6)
agir.
1- Definir o negócio da empresa
A questão mais importante em qualquer organização
precisa ser, “qual o negócio de nossa empresa?” A resposta determina o que a
empresa deve – e não deve – fazer. Em economias sem fronteiras e de rápidas
mudanças, a questão deve ser revisitada com freqüência porque a resposta pode
mudar rapidamente. Determinar o negócio da empresa é o primeiro passo na
definição das prioridades, os esforços se dispersam e pouco é alcançado. Os
melhores dirigentes direcionam o foco da organização e se envolvem apenas em
assuntos mais importantes. Na competição em tempo de guerra, os líderes devem
aproveitar com habilidade o senso natural de urgência que se manifesta pelas
ameaças externas e usá-lo para reforçar, de forma contínua, o foco imperativo
em fazer o que é importante. Cumprir a missão perante grandes disparidades,
atingindo alvos distantes para o negócio da empresa – esta é a cola que mantém
as pessoas unidas e compromissadas com o bem de todos.
A melhor liderança forma a missão e os valores da
organização de um modo que os membros consideram transcendente: as metas da
empresa, baseadas nos detritos do trabalho comum, são transformadas para metas
mais elevadas, dignas de esforços heróicos e até sacrifícios. Um exemplo,
relatado por Brian Dumaine em “Why do we work?” (Fortune, 26 de dezembro de
1994, p. 196) conta a diferença entre três pedreiros:
Na época de torres envoltas de nuvens, donzelas
angustiadas e cavaleiros robustos, um rapaz caminhando por uma estrada,
encontrou um trabalhador batendo furiosamente em uma pedra com um martelo e um
cinzel. O jovem perguntou ao operário, que parecia frustrado e irritado, “o que
você está fazendo?” Este respondeu com uma voz magoada: “estou tentando talhar
esta pedra e isto é um trabalho aviltante”. O rapaz continuou sua jornada e
logo encontrou outro homem talhando uma pedra semelhante, que não parecia zangado
nem feliz. “O que você está fazendo?” Perguntou o jovem. “Estou talando uma
pedra para um prédio”. O rapaz continuou a viagem e, logo depois, encontrou um
terceiro trabalhador esculpindo uma pedra, mas este cantava feliz enquanto
trabalhava. “O que você está fazendo?” Perguntou o jovem. O trabalhador sorriu
e respondeu, “estou construindo uma catedral”.
2 - Criar uma estratégia vencedora
É responsabilidade da liderança criar uma
estratégia que levará a organização a ser bem-sucedida, crescer, prosperar, vencer
a competição. Em uma economia sem fronteiras, a pergunta “qual é nossa
estratégia e quais as de nossos concorrentes?”, assim como “qual é a nossa
atividade principal?”, devem ser levantadas e respondidas freqüentemente, pois
a estratégia deve ter origem na realidade competitiva da empresa. Estratégia é
conceitual; uma estratégia vencedora deve designar de forma precisa o que a
organização fará melhor do que qualquer outra de modo a ser a opção do cliente.
Para que uma estratégia seja bem-sucedida ela deve
prever, gerar e orientar a mudança e estabelecer compromisso com os membros da
organização. Deve ser plausível, ágil, arrolada e realizável a ponto de gerar
em si mesma uma convicção de que seja valioso assumi-la, mesmo que a jornada
seja árdua, pois ela criou uma vantagem competitiva maior. Definir o negócio da
empresa de modo sensato e sábio, e criar uma estratégia convincente para
vencer, são ações criticas para persuadir as pessoas de que possuem líderes
verdadeiros e de que o sucesso será alcançado.
3 - Comunicar de forma persuasiva
Os líderes sabem que a confiança é uma vantagem
competitiva em um mundo de competição antagônica. Basicamente, confiança é uma
questão de prognóstico. As pessoas confiam em outras quando estas lhes dizem
que algo acontecerá e isto acontece. Mudanças maiores, portanto, sempre ameaçam
a confiança e, deste modo, ameaçam definitivamente a confiança na liderança.
Ausência de comunicação, ou uma comunicação ineficaz, sobretudo em tempo de
guerra, resultam em um grande aumento da desconfiança, da confusão e do
ceticismo, além de uma imensa queda do moral, da crença na organização e da
segurança na liderança. Por isso, a necessidade de uma comunicação persuasiva é
especialmente crítica em períodos de ameaças e mudanças significativas.
Durante períodos de grandes mudanças, muitas
organizações emitem poucas comunicações porque querem evitar as conseqüências
negativas que ocorrem quando as pessoas não sabem o que vai acontecer com elas.
Mas, quando muitas mensagens são emitidas ou o grau de ansiedade é alto, pouco
se resolve. Portanto as organizações devem limitar a quantidade de comunicações
e simplificar as mensagens enviadas. Os líderes devem decidir que partes da
informação as pessoas realmente precisam saber, e estes poucos pontos devem ser
amplificados, declarados de modo mais simples e repetitivo do que se pode
imaginar necessário. E quando as metas são reduzir a ansiedade e aumentar o
compromisso com o líder e a missão, a comunicação mais eficaz é em pessoa, de
maneira pessoal e sob a forma de diálogo.
4 - Comportar-se de modo íntegro
Sem integridade, a confiança jamais é obtida. Os
melhores líderes são transparentes: eles fazem o que dizem; suas ações são
coerentes com suas palavras. As pessoas acreditam neles porque agem em linha
com os valores que adotam. Não fazem jogos maquiavélicos de manipulação e
má-fé. Neste sentido são honestos.
Ser íntegro, acredtio, baseia-se em parte na coragem. Requer honestidade
consigo mesmo, assim como os outros, quanto ao que é sinceramente valorizado e
considerado importante. Comportar-se de modo íntegro também significa ser
coerente com as próprias escolhas e ações. Além da coragem, os líderes devem
ter alguma certeza quanto à direção a seguir e qual caminho escolher. Por sua
vez, isto requer dos líderes uma firme convicção dos valores e propósito
constante de distinguir entre certo e errado, sabedoria e tolice.
5 - Respeitar os outros
Os melhores líderes não prejudicam a mente das outras pessoas. Os líderes
precisam de um senso essencial de confiança que lhes permita receber com
tranqüilidade as idéias dos outros, mesmo discordante. Embora os melhores
líderes sejam quase sempre notavelmente cultos, sobretudo quanto à situação
geral, não são covardes nem Genghis Khan, humildes ou arrogantes. Como
conseqüência, não acham que precisar das idéias dos outros seja aviltante.
Líderes eficazes em tempo de guerra requerem idéias de todos os envolvidos;
preferem um debate animado antes que decisões sejam tomadas, embora, uma vez
decidido, exijam alinhamento. Eles exigem que os outros ajam com entusiasmo, em
linha com a decisão, mesmo que antes tenham se oposto a ela.
Hoje em dia, subordinados em todos os níveis organizacionais possuem
experiência, conhecimento e aptidões, as quais podem oferecer, se seus líderes
estiverem psicologicamente preparados para ‘ouvir’. Ouvir os outros, assim como
dar-lhes autonomia, não é questão de processo. Ao contrário, é uma questão de
respeito.
6 - Agir
O gerente em tempo de paz é como um gerente de
suprimentos: muito bom em planejamento e logística, tarefas às quais as pessoas
se dedicam com afinco mais ninguém se machuca. Por outro lado, em tempo de
guerra, os líderes precisam considerar a possibilidade de fazerem o
intolerável. Liderança em tempo de guerra é difícil: ela envolve ações nas
quais alguns podem se ferir e até morrer, para que o grupo como um todo viva.
(‘Ferir’ e ‘morrer’, neste contexto, se referem a mudanças como dispensa de
funcionários, downsizing, vender ou fechar unidades improdutivas e realizar
fusões e aquisições). A liderança em tempo de guerra, portanto, requer força de
caráter, autodisciplina, coragem e afastamento daquilo de que gerentes em tempo
de paz fazem.
É função dos líderes inspirar confiança em pessoas
atormentadas pela dúvida. Em tempo de guerra, quando as condições são duvidosas
e as decisões difíceis, os líderes devem decidir, escolher e agir. Eles
entendem que quando não agem são vistos como indecisos e fracos, e isto aumenta
a sensação de ansiedade, impotência e insegurança nas pessoas. Quando os outros
duvidam da capacidade, confiança ou eficácia de um líder, a missão é sabotada.
Por conseguinte, líderes precisam ser considerados
pessoas corajosas que agirão e pessoas que acreditam que a mudança gera mais
oportunidades do que ameaças. Ainda que tenham de manter intenso contato com a
realidade, eles também precisam ser otimistas.
E não menos importante...
Liderança psicológica
Em termos psicológicos, líderes guiam porque
convencem os outros de que entendem as questões melhor do que ninguém. As
pessoas os seguem porque eles falam sobre soluções com convicção persuasiva,
projetam confiança quando os outros estão inseguros e agem de modo decisivo.
Hoje, e mais ainda no futuro, os líderes precisam convencer as pessoas de que
lidar com a mudança interminável não apenas é necessário mas também resultará
em algo melhor.
As pessoas são líderes à medida que criam
seguidores. Definitivamente, liderança é um vínculo emocional, às vezes até um
compromisso apaixonado entre seguidores e o líder e sua metas. A liderança
difere de outros relacionamentos pelo fato de que líderes geram esperança e
convicção nos seguidores. Eles são pessoas que outros percebem como capazes de
proporcionar melhorias. No campo emocional, líderes criam seguidores porque
geram:
· Confiança em pessoas amedrontadas
· Certeza em pessoas hesitantes
· Ação onde havia hesitação
· Força onde havia fraqueza
· Método onde havia confusão
· Coragem onde havia covardia
· Otimismo onde havia ceticismo
· Convicção de que o futuro será melhor
Decididamente, líderes guiam porque geram um
compromisso apaixonado em outras pessoas para que sigam as estratégias e
alcancem o sucesso. Por fim, a liderança não é intelectual nem cognitiva.
Liderança é emocional.
Gerência em tempo de paz e liderança em tempo de
guerra. Judith M. Bardwick
In: O Líder do Futuro – Peter Drucker Foundation, Editora Futura, 1996
* Manager do Blogue desde Outubro de 2007.