Casa grande com garagem para 3 carros e imensos halls, na Foz ou na Lapa, Lexus ou BMW,
miúdos nos colégios privados, férias na neve (Chamonix), férias de água quente numa qualquer ilha das Caraíbas,
roupa de marca, relógios daqueles franceses com 3 nomes, almoços nos
restaurantes da moda (a € 100 por cabeça), uma parafernália indizovel de
gadgets, TV Cabo.
O que me surpreende, quando analiso e penso na vida
dos meus amigos muito bem sucedidos lá fora, que trabalham em gabinetes 3x2m na
MTV em Los Angeles, que moram em casas com 60 m2 no Harlém, em Nova York, que
trabalham na Goldman Sachs mas se deslocam de metro.
Obviamente que as coisas têm importância relativa
consoante a idade, o que já se conseguiu, os planos de vida, os hábitos locais,
etc.
Na minha circunstância actual (com cancro), pensar
o sentido da vida faz um pouco mais de sentido do que para a maioria das
pessoas. Olhando para trás, só fica a pergunta: “Viveste a vida que pensaste,
quiseste, escolheste?”
A vida deste segundo grupo que falei é uma vida
consciente? É a vida que eles determinaram que seria, a que os faria mais
felizes?
Imaginemos por um momento uma família feliz: pai,
José, Engenheiro de sistemas na PT (2.500 a 3.000 euros por mês), mãe
professora, filhos bons alunos, sem problemas. Conseguem ser felizes encarando um futuro em que os dias se repetem,
sempre iguais?
Um dia, o pai chega a casa, junta a família e diz:
“Olhem, não gosto do que faço 10 horas
por dia, sou infelicíssimo, perdi o líbido, tomo quilos de pastilhas para
dormir, não me sinto bem, a minha vida não faz sentido. Toda a vida quis ser
dono do meu tempo, quis usar o tempo para fazer coisas diferentes, para ter uma
vida rica, cheia de sentido, estou-me a cagar prós óculos de marca e para as
gravatas XPTO. Quero apenas ser dono de mim e estar mais tempo convosco e fazer
coisas novas. Concorri e fui aceite no liceu da Amadora. Fiz contas e, se
vendermos a casa e formos viver para um T2 na Rinchoa, conseguimos viver acima
da sobrevivência e eu poderei chegar a casa mais cedo e brincar com os miúdos;
poderei finalmente aprender a tocar viola – velho sonho de 30 anos; poderei
correr e pôr-me em forma; poderei colaborar no projecto dos “sem-abrigo” locais
em que a vossa mãe sempre quis participar – vamos participar juntos…
Materialmente, para todos, a vida não será tão abundante (acabou-se o Nesquik,
a Sport TV e a neve) mas estaremos muito mais tempo juntos, de melhor humor.
Claro que haverá menos Urban e ténis Adidas – mas por cá continuarão as
musicas, os livros, as conversas, mais jogos de futebol. Começaremos todos a
pintar, mantêm-se os jantares com amigos (agora em casa, em vez de no
restaurante). E o Pedro Nunes é um bom liceu…”
Como somos
tão facilmente capazes de recusar a felicidade?
Melhor: porque
é que ninguém, conhecendo a sua matriz de felicidade, é capaz de mudar de vida?
Esta história é uma ilustração incompleta. Teremos
de levar em consideração muitos outros factores e, obviamente, o que querem a
mulher e os filhos, os amigos, o resto da família. Mas digam lá a sério: a alternativa de felicidade apresentada não
parece irresistível? Estatisticamente, porém, quantos mudam?
Eu conheci uma ou duas pessoas… e mesmo assim, com
risco limitado.
Há 3 razões para não mudarmos: não somos capazes de
desenhar um modelo de vida novo; tendo tudo, não percebemos qual é o incentivo
à mudança; tememos cansar-nos do que ainda nem sequer experimentamos. “E se
depois me farto da guitarra?” Assim, deixamo-nos contaminar pela resposta dos
grupos de referência e pelas nossas circunstâncias, além da desconfiança que
geraríamos nos outros, esses que naturalmente se afastariam dos novos freaks do bairro… Aceitamos a frase:
DEIXA-TE DE AVENTURAS…
Último texto de Manuel Forjaz para a revista “Sábado”, enviado por ele um dia
antes de morrer, em casa, no dia 6 de Abril de 2014 (texto publicado na edição
de 10 de Abril de 2014). A sua vida mudou por causa do envelope azul que lhe
foi entregue no hospital CUF, em Março de 2010. Manuel Forjaz, então com 47
anos, não fumador, ficou a saber que tinha um nódulo no pulmão esquerdo. Quando
recebeu a noticia do cancro, o empresário não chorou, como garantiu na sua
auto-biografia “Nunca te distraias da Vida”, lançada em Fevereiro passado.
Pensou no pai, Nuno, e no irmão mais velho, Gonçalo, ambos vitimas de cancro: o
primeiro morreu em Setembro de 2006, o segundo em Março de 2012. “Manel” - como
era tratado pelos mais próximos – manteve a doença em segredo até 17 de Maio de
2010, quando escreveu uma carta aos amigos a revelar que afinal não estivera de
férias, em Xangai, e que não era um super-homem. Estivera retirado, a receber
mais uma dose de quimioterapia que o deixara debilitado. Nas conferências que
dava pelo país, fazia sempre uma piada. “Se precisarem de dinheiro, liguem. Se
precisarem de trabalho, liguem. Mas eu sei que vocês não vão ligar. Estão todos
gordos!” Como disseram os amigos no dia do seu funeral, Manel “era uma carta
fora do baralho”.
* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.