quarta-feira, 29 de abril de 2015
Definição de objetivos: o caso ALCOA
Artigo redigido por António Machado Vaz*
AMV19|2013-15
“Liderar é levar a crer e a querer” (Steve
jobs).
Falamos muitas vezes da importância de definir objectivos. Os
objectivos criam foco, permitem-nos “pensar com um fim em vista”. Acontece que,
na maioria das vezes, os objectivos que perseguimos nas empresas são mal
definidos.
Por exemplo: “Aumentar a produtividade” ou “Diminuir
os custos”. Não há ninguém que não queira aumentar a produtividade e
diminuir os custos. É isso que, em última instância, irá aumentar os lucros. Acontece
que estes objectivos, assim formulados, são demasiado genéricos. Não nos
indicam um caminho claro para os atingir: “Aumentar
a produtividade, sim. Mas como?”. Pior: têm implícita uma ameaça para os
trabalhadores: “Aumentar a produtividade
significa que me vão pôr a trabalhar mais pelo mesmo dinheiro”. “Diminuir os
custos significa que vai haver despedimentos”.
Por outro lado, a forma como esses objectivos são comunicados não
pode ser ambígua. Tem de ficar claro que, se a ideia é atingir resultados
diferentes, não é possível manter tudo como até aqui. Vai ter que haver mudanças. Ora, as mudanças são executadas pelas
pessoas que fazem parte da organização. Logo, antes de mais, é necessário
(diria mesmo imprescindível) mobilizar
essas pessoas para a mudança. Porque a mudança não pode ser imposta. As
mudanças fazem-se com as pessoas - e não contra as pessoas. O antecessor
de Paul O’Neill na ALCOA aprendeu isso da pior forma:
A ALCOA (acrónimo para Aluminum
Company of America) é o maior produtor de alumínio do mundo e, na
década de 80, estava em crise. Os lucros estavam em queda. Para inverter esse
processo – não era segredo para ninguém – havia que (lá está!) aumentar a
produtividade e diminuir custos. Mas como o fazer? A Administração da empresa
adoptou um programa agressivo de downsizing, reestruturação de funções e
avaliação de desempenho. O resultado foi a maior greve de sempre na empresa: 15
mil trabalhadores paralisaram a produção durante semanas. Os prejuízos
ascenderam a vários milhões de euros.
A administração da empresa acenou aos trabalhadores com prémios de
produtividade de acordo com os resultados atingidos mas os sindicatos entenderam
que os interesses dos trabalhadores estavam a ser comprometidos e a greve
prosseguiu.
Foi então que, em Outubro de 1987, foi apresentado o novo CEO a empresa: Paul O’Neill.
Na conferência de apresentação, O’Neill não falou de de perspectivas de lucro, margens e índices económicos. Em vez disso, anunciou que o seu principal
objectivo era tornar a ALCOA na empresa
com menos acidentes de trabalho nos EUA!...
Os
accionistas ficaram em polvorosa. Como? Onde estavam os habituais chavões da
gestão – como “sinergias”, “alinhamento”, “rightsizing” e “competição”?! Numa altura critica como esta e o homem vinha falar de segurança no trabalho?! Toda a gente sabe que o tema da segurança dá um discurso bonito, mas não enche os bolsos de ninguém. Este lírico ia
com certeza afundar definitivamente a empresa.
Mas O’Neill tinha os pés bem assentes na terra. Ele
sabia que os principais problemas da empresa eram a falta de qualidade dos seus
produtos e a baixa produtividade dos seus trabalhadores. Porém – como revelou
mais tarde - O’Neil também sabia que “numa
empresa tão grande e antiga como a ALCOA, não se pode carregar num botão e
esperar que toda a gente trabalhe com mais empenho ou produza mais.” O’Neil
queria definir um objectivo que fosse de importância inquestionável para toda a
gente – tanto para os sindicatos como para os accionistas. A ideia era pôr toda
a gente focada num mesmo objectivo: algo
que levasse a que todos mudassem a sua forma de trabalhar e comunicar.
“Pensei no
básico: Todos merecem sair do trabalho tão ilesos como chegaram, certo? Ninguém
devia ter medo de morrer para ganhar o sustento da sua família. Foi nisso que
eu me concentrei: em mudar os hábitos de segurança da empresa”.
A meta que traçou era audaciosa: índice zero de acidentes de trabalho. Era esse o seu compromisso –
e seria atingido a qualquer custo. Poucos meses depois, O’Neill dirigiu-se aos
trabalhadores, dizendo: “Terei todo o gosto
em negociar convosco qualquer item, excepto um: serei sempre absolutamente
intransigente em relação à segurança. Não quero que ninguém alguma vez diga que
não tomamos todas as providências para garantir a integridade física de todos.
Se alguém quiser discutir esse ponto comigo, vai perder”.
O brilhantismo da sua estratégia é que – obviamente –
ninguém queria discutir com O’Neill sobre segurança no trabalho. Os sindicatos
vinham lutando há anos pela revisão das normas de segurança. Os diretores das fábricas
também não queriam discutir esse ponto pois sabiam que as baixas por acidentes
de trabalho afectavam a produtividade das fábricas e baixavam a motivação dos
trabalhadores.
O que a maioria das pessoas não percebia era que o
plano de O’Neill de alcançar o índice zero de acidentes deu início ao realinhamento mais radical da historia da empresa:
O’Neill acreditava que o segredo para
proteger os funcionários da Alcoa era entender porque os acidentes aconteciam
em primeiro lugar. E para entender por que os acidentes aconteciam era preciso
estudar porque é que o processo de fabrico não estava a funcionar como devia.
Para entender porque é que o processo de fabrico não estava a funionar, era
preciso contratar pessoas que pudessem dar formação aos trabalhadores controle
de qualidade e redesenhar os processos de trabalho para que se tornasse mais
eficientes, para que fosse mais fácil fazer tudo do jeito certo, já que um
trabalho correto também é um trabalho mais seguro.
CONCLUSÃO: para proteger os seus funcionários (o objectivo
definido como prioritário), a Alcoa precisou de se tornar a melhor e mais eficiente empresa de alumínio do mundo![1]
Chama-se a
isto CAPACIDADE DE MOBILIZAÇÃO – e é
isso que falta em muitas das nossas empresas… o que é absolutamente natural
pois é isso que falta ao nosso país. Não adianta apenas mostrar
o caminho. As pessoas só o vão seguir se forem inspiradas a fazê-lo. Se tiverem a convicção que estão
a lutar por algo que vale realmente a pena – neste caso, pela segurança de
todos, para salvar vidas (não para “baixar o défice” –
que é algo que não mobiliza ninguém).
Como dizia Steve Jobs, “Liderar
é levar a crer e a querer” e isso só se consegue se o líder ganhar
a confiança dos
seus subordinados:
Sem isso não haverá seguidores e, por definição, um líder é alguém que tem
seguidores. Paul O’Neill não era um “espertalhão” que conseguiu
enganar as pessoas com um discurso inspirador mas vazio. Apesar de ter sofrido
toda a espécie de pressões – dos accionistas, dos sindicatos e dos elementos
mais seniores da sua equipa, que desconfiavam das suas intenções e não
compreendiam a sua estratégia - O’Neill manteve-se fiel ao seu discurso,
mostrando que efectivamente queria o que dizia e fazia
o que queria: palavras, acções, exemplo.
Ou, numa palavra: COERÊNCIA. É essa
a chave da definição de objectivos.
[1] COMO É QUE ISSO FOI FEITO: foi instituida a regra de que TODOS os acidentes – por
mais corriqueiros que fossem - tinham de ser comunicados ao CEO em menos de 24
horas, juntamente com uma análise da causa e do que poderia ter sido feito para
o evitar. Para o fazer, os Diretores de cada unidade precisavam de saber do
acidente, por intermédio das chefias, logo que ele ocorresse. Para isso, tinham
de estar em contato constante com as chefias. E as chefias precisavam de se
assegurar que os funcionários os avisavam logo que detectassem um problema. Os
funcionários, por sua vez, tinham de fazer uma lista de sugestões de melhoria,
para que, quando as chefias lhes pedissem um plano, já tivessem uma “caixa de idéias”
cheia de possibilidades. Ora para fazer tudo isso acontecer, cada unidade precisou
criar um novo sistema de comunicação que facilitasse aos funcionários na base da
hierarquia levar uma idéia ao executivo do mais alto escalão, o mais rápido
possível. Quase tudo na rígida hierarquia da empresa precisou de mudar para se
adequar ao programa de segurança de O’Neill.
Fonte: Charles Duhigg, The
Power of Habit: Why We Do What We Do in Life and in Business, Random House, New
York (2012).
* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.
Postado por Davide Gouveia às quarta-feira, abril 29, 2015
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