segunda-feira, 24 de março de 2014

A tecnologia ao serviço dos Recursos Humanos: A morte do CV está próxima

Artigo redigido por António Machado Vaz*  
AMV8|2013-14

Já Peter Drucker dizia que só se gere aquilo que se consegue medir – ou seja: a gestão não pode ser feita por instinto mas sim com base em informação mensurável. A forma como essa informação é depois trabalhada e utilizada para tomar decisões é o que distingue as boas das más empresas.

A tecnologia actual permite-nos reunir grandes quantidades de informação personalizada para depois analisar padrões comportamentais e tendências e definir estratégias negociais de acordo com esses dados. O Facebook, por exemplo, utiliza um algoritmo complexo para analisar estatisticamente o perfil de cada utilizador (os sites que visita, os assuntos que pesquisa nos motores de busca, os cliques que faz nas noticias on-line). Isso permite personalizar de forma instantânea a publicidade que depois mostra na página de cada um, quando está conectado. Outro exemplo é a Amazon, que utiliza a mesma técnica para detectar padrões de consumo e preparar o stock das lojas mais próximas de cada potencial cliente para maximizar o número de vendas sem rotura de stock. É o chamado e-marketing e é a face mais visível do tratamento do “big data”. Mas há outras. Esta ciência analítica começa também a ser aplicada à gestão de recursos humanos - seja para contratar, seja para promover de forma mais eficaz:

1 – A Gild, uma empresa norte-americana, criou um sistema que faz a parametrização de dados de modo a identificar o candidato ideal para cargos de elevada complexidade técnica – por ex: profissionais de programação. A Gild analisa os trabalhos dos programadores disponíveis na web, a informação das redes sociais, a participação em foruns on-line especializados e o seu histórico académico, de modo a identificar o perfil que mais se adequa às exigências do trabalho que a empresa que está a recrutar pretende ver realizado. Para já, a empresa trabalha apenas com profissionais de programação, mas já está a estudar maneiras de aplicar essa tecnologia a outras àreas.

2 – A Google desenvolveu o projecto Janus, destinado a testar os critérios de selecção que utiliza no recrutamento dos seus quadros. Definiu aquelas que eram as características mais comuns do seu universo de trabalhadores (como a universidade de proveniência, as experiências anteriores e a tipologia dos projetos desenvolvidos) e procurou características semelhantes numa base de dados de 1 milhão de currículos que haviam sido excluídos em processos de selecção anteriores. O resultado foi a contratação de 150 engenheiros que anteriormente haviam sido excluídos mas que tinham características que se revelaram indicadores de sucesso em contratações anteriores. “A análise estatística ajudou na precisão do recrutamento e excluiu essa margem de erro”, afirmou Brian Ong, director de recrutamento da Google, numa conferência de recursos humanos.

3 – A petrolífera Shell, criou um projeto para identificar profissionais criativos recorrendo a um jogo on-line: o Wasabi­ Waiter. Neste jogo, que simula o funcionamento de um restaurante japonês, o jogador tem de escolher os pratos que servirá de acordo com a expressão facial dos clientes. Em apenas 15 minutos de jogo, é possível coligir uma enorme quantidade de dados, como a forma como o jogador responde à pressão, como hierarquiza as tarefas, o seu grau de empenho ou como gere as emoções das pessoas que o rodeiam. Ao cruzar o padrão comportamental dos funcionários com o seu desempenho no jogo é possível identificar os trabalhadores com maior potencial. “É a maneira mais imparcial e eficiente para reconhecer os melhores entre os milhares de funcionários de grandes empresas”, afirma Guy Halfteck, fundador da Knack, a empresa que desenvolveu o jogo. 

4 – Cada vez mais empresas utilizam a rede social Linkdin (com mais de 250 milhões de profissionais registados na sua base de dados) para alargarem a sua procura pelo candidato mais adequado aos lugares-chave da sua organização. Mais do que isso, o Linkdin permite às empresas saber não apenas de onde vêm os seus candidatos mas também obter feed-back da rede de contactos do candidato e saber para onde foram trabalhar as pessoas que deixaram a organização - o que poderá dar pistas acerca dos motivos da fuga de alguns talentos.

5 - Por vezes, a tecnologia serve também para comprovar a validade de alguns processos empíricos. Investigadores da Universidade Yale, por exemplo, cruzaram informações da produtividade de profissionais de nove empresas e concluíram que os candidatos indicados por outros funcionários são 25% mais rentáveis do que aqueles que foram contratados na sequência de um processo de recrutamento – o que significa que, em certos casos, a rede informal de contactos continua a ser o método de selecção mais eficaz (não confundir com a nossa famigerada “cunha”…).

Conclusão: a àrea de RH pode beneficiar muito da implementação de tecnologias de gestão de informação. Os processos de recrutamento tradicionais são morosos, caros e a taxa de insucesso continua a ser elevada, com consequências desastrosas para as empresas. A inadaptação ao “mundo real” de candidatos que, “no papel”, eram perfeitos, significa um custo que corresponde, em média, a três vezes o valor do seu salário anual. É um processo arcaico que a tecnologia já permite resolver com muito maior eficácia (quer qualitativa, quer quantitativamente). Ainda não chegou o momento em que – como acontece com o e-commerce – todo o nosso rasto electrónico é utilizado para traçar o nosso perfil psicológico e tomar decisões em função disso mas está visto que essa é uma realidade não muito distante. Mais do que nos queixarmos dos inconvenientes dessa situação (“big brother is watching you!...) há que aproveitar as potencialidades que ela cria (veja-se o exemplo da Gild que procura o rasto “positivo” deixado pelos programadores: os trabalhos disponibilizados gratuitamente na web ou os contributos em foruns on-line especializados, são formas de divulgação do seu trabalho e de se diferenciarem de outros milhares de profissionais existentes no mercado). Uma coisa é certa: a morte do CV está próxima – pelo menos da forma como o conhecemos.

* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.