quarta-feira, 18 de junho de 2014

“Gestor-Coragem”


Artigo redigido por António Machado Vaz*   
AMV13|2013-14 

Recentemente conheci Frederico Magalhães, um empresário Português que é um exemplo de coragem e resiliência. Depois de subir ao nível mais alto a que um empresário pode ambicionar, Frederico perdeu tudo – mas voltou a reconstruir a sua vida.

O texto que se segue resulta de uma conversa que tivemos e de um artigo que foi publicado sobre ele na revista EXAME. Uma história que, sem dúvida nenhuma, merece ser contada. 
Frederico nasceu e cresceu em Moçambique, país de onde saiu em 1974, quando começou a guerra civil. “Morreu imensa gente. Pensei na sorte, no privilégio que era poder ir embora dali, apenas porque o meu pai tinha acesso a uma avioneta” – lembra Frederico Magalhães. Por isso, durante toda a sua vida, uma ideia nunca lhe saiu da cabeça: “Prometi a mim e a Deus que haveria de voltar para ajudar a minha terra e os meus amigos”, afirma com nostalgia na voz.

Pouco tempo depois de regressar a Portugal, voou para o Reino Unido, onde terminou a licenciatura em Engenharia Mecânica, em 1980. Seguidamente, concluiu o doutoramento em Automação na Universidade de Cranfield, onde, em meados dos anos 80, acumulava as funções de professor e de investigador, dirigindo o departamento de robótica, onde trabalhava com empresas como a Rolls-Royce ou a Jaguar. “Percebi que, se queria ganhar dinheiro, tinha de montar uma empresa. Em 1988 associei-me a dois alunos, um alemão e um inglês” e fundaram a Integral Vision, empresa que, em 1993, empregava já 50 pessoas - mais de metade das quais com mestrados ou doutoramentos. “Tínhamos de tomar uma decisão porque o mercado estava a amadurecer. Ou nos deslocávamos para os Estados Unidos e continuávamos a crescer, ou eramos comprados.” A oferta feita pela Medar Inc. era irrecusável e a Integral Vision foi alienada por 10 milhões de euros. “Eu detinha 25% do capital da empresa. Vendemos a Integral Vision e ficámos com 10% da Medar”. Durante dois anos viajou entre Portugal, os EUA e o Reino Unido para fazer a transferência de conhecimento entre as duas sociedades.

O regresso a Moçambique
Em 1996 esteve prestes a ocupar o cargo de Chief Operations Officer da Medar Inc. “Fui com a minha mulher ao Michigan para procurar casa, escolher as escolas, comprar carro… mas pedi um mês de férias para visitar Moçambique”. Quando chegou a Chimoio, na Beira, a terra onde cresceu, não pôde fugir da sua promessa. “Estava à venda a Textáfrica, a empresa que o meu pai tinha fundado em 1944 enquanto trabalhava para o Banco Português do Atlântico”.

Em nome de um sonho abdicou de um futuro no país mais rico do mundo e investiu, juntamente com o pai, Manuel Magalhães, numa das regiões mais pobres do planeta. Ficou responsável por uma fábrica com 60 mil metros quadrados, 2 mil hectares de terreno, 2500 trabalhadores, ima aldeia, escolas, clinica…
Nunca pensei que iria perder dinheiro. Tinha um projecto, a preocupação era pôr toda a maquinaria a funcionar. E passados dois meses estávamos a exportar tecidos para a Suiça”, afirma. “Em Moçambique as coisas correram mal por todas as razões menos as lógicas”: Legislação fundamental para abrir o mercado interno ao consumo foi publicada mas nunca aplicada. “Queria renovar a maquinaria e tinha um financiamento do BEI de 18 milhões de euros. Passaram-se 1998, 1999, 2000 e a lei nunca entrou em vigor. Não fiz aquele investimento e a fábrica fechou em 2000. Se o Governo Moçambicano tivesse dito logo no inicio que não conseguia proteger o mercado interno, tínhamos aplicado outra estratégia.

Mas uma desgraça nunca vem só. À medida que a situação se degradava, a mulher de Frederico ia-lhe pedindo que desistisse, que pensasse na família, que fossem embora dali. Frederico ia-lhe pedindo que aguentasse. Só mais um esforço. Não podia desistir enquanto ainda houvesse uma réstia de esperança de recuperar a fábrica. No final de 1999, a mulher de Frederico tem um desastre de carro. Frederico fica viúvo e passa a ser o único responsável pelos 4 filhos. “Desatinei durante um ano e meio. Só recomecei a trabalhar em Abril de 2001.” Reactivou a Sisqual, uma empresa em Matosinhos que fundara em 1992, pouco antes de vender a firma britânica, e que se dedica ao desenvolvimento de equipamentos e programas informáticos para recolha, backup e transferência de dados, utilizando suportes fixos e móveis. Em 2004 facturou 1,3 milhões de euros – um crescimento de 50% face ao ano anterior – sendo, actualmente, uma empresa com uma posição sólida em Portugal e com escritórios em Angola, Cabo Verde, Moçambique e Brasil.

Frederico diz que não desistiu “porque não podia desistir. Tinha uma família que dependia de mim”. Diz também que, durante os períodos de maior desespero, houve dois aspectos que lhe permitiram manter a sanidade: “o desporto – que me permitia distrair-me e descansar a cabeça - e a minha fé em Deus. Apesar de tudo, acho que sou um privilegiado. A convivência que tive com os meus amigos africanos, a forma como eles encaram a vida, permitiu-me pôr as coisas em perspectiva”.


Sem dúvida uma história inspiradora, que nos mostra que a vida não é feita só de conquistas; que as tragédias acontecem – muitas vezes por fatores que estão fora do nosso controlo; mas que é sempre possível “dar a volta” a uma situação desesperante. 

* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.