segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sistema de gestão do desempenho: mito, panaceia, fracasso? ou motor da criação de valor

(Resumo do seminário apresentado no dia 7 de Outubro de 2014, na UCP-Braga, pelo professor Carlos Ribeiro[1])
 
Hoje em dia, quase nenhuma empresa que se preze deixa de ter um Sistema de gestão de desempenho. Mas porque implementam as empresas os seus sistemas de Gestão de desempenho? Por 3 razões:
1. Por acreditarem que esse sistema veio permitir melhorar a performance (individual e, dessa forma, também os resultados das equipas e para a empresa).
2. Por esperarem que o sistema oriente e acelere o desenvolvimento profissional dos colaboradores e, dessa forma, aumente a “capacidade instalada” das equipas e da empresa gerar valor.
3. Simplesmente porque consideram um sistema que, inequivocamente, deve estar presente em qualquer empresa bem gerida.

Depositou-se muitas esperanças nestes sistemas MAS, na maior parte das vezes, eles ficam à margem das espectativas. Porquê? Porque geralmente é encarado pelas empresas como um conjunto de rituais cíclicos, que pouco impacto têm ao nível do desempenho individual e dos resultados da empresa. Daí resumir-se a um simples dia de entrevistas (de preferência, até, apenas uma tarde - para não prejudicar a produtividade).[2]

Segundo o Prof. Carlos Ribeiro, “o impacto dos sistemas de Gestão de desempenho não é apenas nulo. É negativo!É crítico analisar o impacto real que esse sistema está a ter. E isto porque, em mais de 85% das empresas, após a atribuição dos prémios, nota-se uma desmotivação generalizada dos trabalhadores / um descomprometimento entre as pessoas e as empresas[3] - o que vai frontalmente contra a espectativa das empresas (que acham que os sistemas de Gestão de desempenho melhoram o comportamento dos trabalhadores). Não é raro as empresas investirem montantes muito significativos em prémios de desempenho...e obterem como retorno, apenas, agitação social, descontentamento, desmotivação... é, no mínimo paradoxal... e espantoso que assim continue ano após ano!

É frequente as empresas confundirem:
· Classificação de desempenho: definir o nível que o trabalhador atingiu num conjunto de parâmetros, utilizando-o depois para atribuir uma compensação variável.
Nota: Isto não garante melhoria.
· Avaliação de desempenho: Quando, para além do de cima, tratamos também de informar os objectivos pretendidos;
 ·Gestão de desempenho: Quando, para além do de cima, tratamos também de planificar o que se espera de cada pessoa.

Geralmente, os colaboradores acreditam que a avaliação de desempenho é um pró-forma anual (um processo burocrático). Os prémios são os que “eles” querem dar… e os resultados são “martelados” para justificarem a sua atribuição.
Se é nisto que eu acredito, como é que a avaliação de desempenho me vai ajudar a melhorar no futuro?!
Por sua vez, os gestores (sup. hierarq.) apenas se preocupam com a avaliação de desempenho 1 ou 2 vezes por ano. Querem despachar as entrevistas todas numa tarde. Queixam-se que é um processo burocrático, que não serve pra nada e que é uma perda de tempo (quando têm tanto pra fazer!...)

É essencial ousar implementar as alterações que se revelam necessárias para que seja – como pode ser – um verdadeiro motor de criação de valor das nossas empresas, de uma forma sustentada (e não apenas “uma vez por ano”). Como mudar para uma situação em que a avaliação de desempenho seja um catalisador para melhorar a performance?
Possivel é! Mas apenas quando conseguirmos que a
1. Gestão de desempenho esteja presente no day-to-day leadership;
2. Equipa tem de interiorizar como um processo transformacional orientado para a maximização dos seus resultados;
3. Existe uma equação líder/equipa devidamente equilibrada e funcional[4]

Temos de garantir que
· Cada equipa dá o delivery que a empresa precisa para a persecução dos seus objectivos;
· Cada pessoa dá o contributo necessário para a equipa atingir os seus próprios objectivos e para a empresa desenvolver a cultura que pretende.

A Gestão de desempenho influência:
· O funcionamento e os resultados das equipas;
· O contributo, o comportamento e as atitudes das pessoas;
de forma a criar valor… de forma sustentada!

Quando bem utilizada permite:
·  Alinhamento
·  Eficiência de recursos e esforços face aos resultados
·  Aproveitar o potencial dos colaboradores e acelerar o seu desenvolvimento
·  Gerar equipas de alto-rendimento

A sua eficácia depende dos elementos estruturais e práticas de Gestão:

Elementos estruturais:
1. Árvore de contributos – definidos em cascata: qual o contributo que esta equipa tem de dar para que a organização como um todo possa dar o que pode dar?

2. Matriz de conhecimento operacional – saber como se cria valor. Temos de ter indicadores mas temos de depois ter formas de intervenção (de corrigir a performance)[5]. Que variáveis afectam cada indicador? O que podemos fazer para gerir cada variável?

3. Definição de processos e funções – o que é que cada um faz e como? A definição de funções não pode ser feita de forma atomística. Não pode ser isolada. Temos de perceber como é que umas se interligam com as outras e manter sempre presente o que se pretende com o resultado final: o processo tem de ser focado no cliente.[6]
- Como vamos prestar esse serviço? (processo tem de ser eficiente)
- Cada função tem de ser vista como uma unidade de contributo para o resultado final.

4.  Definição de competências:
- Instrumentais (performance)
- Estratégicos (valores e formas de estar que são valorizados na empresa).

Práticas de Gestão:
1. Estabelecimento de objectivos – Costuma-se dizer que os objectivos devem ser SMART. Mas não chega. Também têm de ser:
· integrados verticalmente (caso contrário, desfocalizamo-nos do resultado pretendido)
·  calibrados (têm de ser possíveis de atingir)
·  incentivar o comprometimento (não pode ser aceites apenas pelo líder. A equipa tem de estar envolvida)

2. Planeamento – “o que posso fazer para que os resultados aconteçam?” Esta questão deveria ser colocada aos gestores. Como não é, estes dedicam-se a arranjar justificações para não terem atingido o resultado. Isto não cria valor! Mas é a estratégia adoptado pela maior parte dos gestores.

3.  Monitorização de resultados Principal questão não é “o que é que eu tenho de medir” mas sim “que problema é que eu tenho de resolver” e depois “como é que eu posso medir o progresso nesse problema”. Isso é feito através de indicadores de desempenho (KPIs). Costuma-se dizer que os KPIs são como cockpit de um avião. O piloto tem um manancial de indicadores mas está especialmente atento a 2 ou 3 considerados críticos. Mas isso não quer dizer que não esteja atento aos outros indicadores. Os indicadores permitem identificar desvios e definir o que vai ser feito para os corrigir (caso contrário não é controlo; é autopsia). Mas depois é preciso obter feedback responsabilizante (na fase das entrevistas)

4. Entrevista de avaliação de desempenho – Segundo o Porf., “tenho muitas dúvidas que as pessoas sejam capazes de avaliar objectivamente o seu desempenho”. Logo, o objectivo da entrevista não é/ não pode ser discutir a avaliação – mas antes dar feed-back responsabilizante. Para tanto, deve-se utilizar dados objectivos (factos e números) apenas para sustentar as conclusões da avaliação (caso contrário, corremos o risco de acabar a discutir “a personalidade do colaborador” e desviarmo-nos do objectivo da entrevista). O objectivo é melhorar a performance do colaborador no período seguinte. Não se trata de censurar nem de encontrar desculpas. A troca de impressões deve ser orientada para a resolução de problemas e para compreender por que razão determinados objectivos foram ou não alcançado. Porquê? Porque a experiencia, só por si, não ensina nada. É preciso ajudar a retirar conclusões e ensinamentos - para que, da próxima, o trabalhador possa agir de forma mais eficiente e eficaz.
As pessoas são avessas à crítica. O escritor inglês Somerset Maugham dizia: People ask you for criticism, but they only want praise”. Criticar sem ofender é uma das artes mais difíceis do mundo. Para evitar que as pessoas se ponham na defensiva, geralmente, usa-se a “técnica da sandwich[7], “para acabarmos todos amigos”. Isso é ASNEIRA! Não posso criticar e depois acabar a entrevista transmitindo a ideia que “afinal está tudo bem!”. A interpretação da realidade é feita assimilando blocos de informação, pelo que – se agirmos de um modo dúbio – corremos o risco de o colaborador acabar por registar apenas a “parte final do bloco”. O objectivo é que o trabalhador, ao sair da entrevista, saiba onde como e quando vai adoptar acções de melhoria. Temos de terminar com “então, como é que vamos melhorar/alterar o desempenho? Como e quando?” Temos de incentivar à acção.[8] Isso é mais fácil se o colaborador e o responsável tiverem estabelecido de comum acordo as acções a tomar.

5. Prémios/incentivos – O que é que se pretende com o prémio? Fazer um ajuste de contas com o passado ou criar motivação para o futuro? Como o vou configurar? Não posso permitir que se gerem sentimentos de injustiça e descomprometimento.

CONCLUSÃO: Não podemos esquecer que a gestão de desempenho é um instrumento – ou seja, tem de estar ao serviço das chefias mas também tem de ser utilizado de forma eficaz por parte das chefias.
Porquê? Porque a gestão de desempenho permite sistematizar a atuação ao nível do estabelecimento da equação transformacional da equipa e da prossecução da concretização das transformações e otimizações pretendidas
Por isso é que a liderança tem de se sustentar na informação do sistema de av. de desempenho (não se pode liderar APESAR do sistema de av. de desempenho).
Mas para garantir a concretização da equação transformacional da equipa não basta ter o líder envolvido e empenhado... As pessoas têm de ser convidadas a pensar, a participar activamente (não se pode limitar a uma entrevista para justificar um prémio).


[1] Licenciado em Psicologia, Carlos Ribeiro é partner, coordenador técnico de projetos e formador/executive coach na Performance and Development (ligado ao comportamnto organizacional). É docente da Católica Porto Business School, foi docente do Instituto Superior de Gestão e consultor do Banco Mundial e da Unesco. Desempenhou ainda funções de coordenação na William Mercer e de direção na Área Chave. Freelancer, liderou projetos de gestão em empresas de transportes e de comunicações. Foi quadro no Instituto de Formação Bancária (Associação Portuguesa de Bancos).
[2] Muitas vezes as entrevistas são decalcadas umas das outras.
[3] Há um estudo que sustenta isto.
[4] Temos de optimizar a liderança
[5] Se não, não é analise; é autopsia.
[6] Sam Walt (fundador da famosa cadeia WalMart) dizia: “Só existe um patrão. Chama-se Cliente e pode despedir todas as pessoas dentro de uma empresa. Como? Indo comprar à concorrência”. Como tal, a forma de evitar que a organização se torne escrava dos processos burocráticos é ter sempre em vista os interesses do cliente – sendo que, muitas vezes, o “cliente” de um departamento é outro departamento da empresa: o chamado “cliente-interno”.
[7] Começa por se elogiar os pontos positivos, passa-se para a crítica propriamente dita e acaba-se novamente, com elogios.
[8] Processos nmésicos e de indução de melhoria