AMV2|2013-14
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Incentivos ao empreendedorismo: Como o Estado dá com uma mão e tira com a outra**
Artigo
redigido por António Machado Vaz*
AMV2|2013-14
AMV2|2013-14
1 - Em Portugal há muito
que se fala do problema da falta de empreendedorismo. Da falta que faz à
economia do país gente disposta a arriscar. Apela-se à criação de emprego; suspira-se
pela aposta nos bens transacionáveis. Fala-se muito… mas faz-se pouco.
A verdade é que qualquer
”empreendedor” só estará disposto a assumir o risco de criar uma empresa se
tiver uma expectativa razoável de vir a obter lucros com isso. Note-se que está
em causa uma mera “expectativa” – e isto porque não há qualquer garantia de que
o mercado venha a adquirir o produto ou serviço disponibilizado em quantidade
suficiente para cobrir os custos incorridos. Em suma: esse risco tem de ser
devidamente compensado. Ninguém constitui uma empresa se não tiver a
perspectiva de vir a ganhar algum dinheiro com isso.
Por outro lado,
percebe-se que a actividade económica seja uma fonte apetecível de impostos. A
cobrança de impostos tem, no entanto, de ser parcimoniosa - sob pena de “matar”
a iniciativa económica. Dito de uma forma simples: se o resultado do meu
esforço é fiscalmente penalizado de forma excessiva, então “mais vale estar
quieto” e não correr riscos.
Esta lógica
“Lapalissiana” – de tão evidente que é – parece, no entanto, ter sido esquecida
no nosso país: qualquer empresário – por mais pequeno que seja – tem a garantia
da parte do Estado de que terá encargos fiscais de 53% (o que corresponde,
grosso-modo, à taxa mais elevada de IRS) – dado que vê os seus lucros serem
tributados primeiro em sede de IRC (com uma taxa de 25%) e depois em IRS (através
de uma taxa liberatória de 28% sobre os dividendos).
Daí decorre um custo
para a sociedade: é pouco apelativo ser
empresário em Portugal. Sem surpresa, o Observatório da Competitividade
Fiscal da Deloitte, identifica a carga fiscal sobre as empresas como o
principal obstáculo ao investimento. Por outras palavras: de facto, mais vale
estar quieto – o que tem consequências ao nível do investimento mas também da
criação de emprego e de riqueza para o país.
Anacronicamente, apesar
dessa elevadíssima carga fiscal, as receitas provenientes do IRC para o Estado
não são significativas: apenas um quarto
das empresas em Portugal paga IRC (107 mil num universo de 419 mil
empresas) – o que se explica pela recessão económica mas também por uma
enormíssima evasão fiscal.
Conclusão: a curva de Laffer em todo o seu esplendor.
2 – Foi para reverter
este processo – diminuindo o incentivo à fuga mas, principalmente, para
estimular a iniciativa económica e a criação de emprego – que o Estado anunciou
a reforma do IRC (com uma maior simplificação de processos e uma redução da
taxa de IRC de 25% para 23% em 2014, com o objectivo de a colocar abaixo de 19%
em 2016)[1]. Mas
a verdade é que o Governo se limitou a “dar com uma mão”, apressando-se
rapidamente a “tirar com a outra”: a folga fiscal dada aos empresários será compensada
com um agravamento dos custos das viaturas utilizadas na actividade
empresarial, que serão agravados em 2014.
A ideia do Governo é
pressionar as empresas a atribuir os veículos aos quadros que os utilizam,
assumindo que se trata de remuneração em espécie. Teoricamente, isso fará com
que a receita em IRS cresça. Acontece que isso pressupõe que, de facto, todos
os veículos das empresas constituem remunerações encapotadas – o que está longe
de ser verdade: qualquer sector comercial tem uma frota de viaturas necessárias
à actividade de prospecção e vendas - que ficará, agora, necessariamente mais
onerosa. Por outro lado, a reacção lógica dos agentes económicos a esta medida será,
pura e simplesmente, deixar de atribuir “carros de serviço” aos trabalhadores.
Os leasings vão diminuir, os
trabalhadores passarão a utilizar os seus veículos particulares e, em vez de
trocarem de carro de 4 em 4 anos, passarão a fazê-lo de 10 em 10 anos. O
resultado será a redução da venda de veículos… e uma perda (apreciável) de
receita por parte do Estado.
3 – De facto, os
automóveis são para o Estado uma verdadeira “mina” no que toca a receitas
fiscais – não apenas em impostos
directos (como a tributação autónoma em sede de IRC, agora agravada) mas
sobretudo numa infindável rede de impostos
indirectos (imposto sobre veículos; imposto único de circulação; IVA; imposto
sobre produtos petrolíferos; imposto de selo que incide sobre o seguro automóvel;
taxas de estacionamento; portagens; chip para as scuts; etc, etc). O mercado
automóvel, que em 2010 representava cerca de 270 mil unidades vendidas,
encolheu, em 2013, para cerca de 100 mil unidades - o que se terá traduzido numa
perda fiscal de milhões para o Estado. Este agravamento da taxa liberatória dos
veículos de serviço, para além de penalizar as empresas (por via do agravamento
dos seus custos de funcionamento), significará uma perda adicional de receita
para o Estado. Mas – pior do que isso – poderá comprometer os três objectivos
que o Governo se propunha com a reforma do IRC: incentivar a actividade
económica e a criação de emprego e diminuir a evasão fiscal – todos eles
virados para o crescimento económico.
E isto porque – lá diz o
ditado – “Quem tudo quer, tudo perde”.
[1] Na
perspectiva da captação de investimento estrangeiro, não é brilhante (dado que
a taxa de IRC na Irlanda é de apenas 12,5%) mas já nos coloca em paridade com
os restantes países europeus.
* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.
** Artigo publicado no Jornal VidaEconómica no dia 25 de Outubro de 2013.
Postado por Davide Gouveia às terça-feira, outubro 29, 2013