quinta-feira, 10 de outubro de 2013
“Levar a carta a Garcia”: 100 anos depois, uma história que se mantém actual
Artigo
redigido por António Machado Vaz*
AMV1|2013-14
A gestão de pessoas tem
um objectivo último: a eficácia.
Todas as
componentes de RH estudadas neste blog
(a liderança, a motivação, a gestão do talento, a medição da performance, etc)
têm como objectivo final assegurar que “o
trabalho é bem feito”, que “as metas
são atingidas”. Independentemente de justificações ou desculpas (mais ou
menos lícitas), o importante é “cumprir
a missão”, “levar a carta a Garcia”.
Só depois de atingir os objectivos é que faz sentido falar de recompensas e
direitos. Antes, é preciso trabalhar com dedicação e enfoque de todos no
objectivo final.
Esta
verdade de “La Palisse” – de tão óbvia que é – cai, no entanto, com demasiada
frequência, no esquecimento: por trabalhadores que reivindicam melhores
condições de trabalho mas que não estão dispostos a comprometer-se com mais
responsabilidades; por sindicatos que exigem aumentos salariais sem cuidarem se
isso porá em causa a viabilidade da empresa; por administradores que se
auto-atribuem prémios mas esquecem o investimento na empresa.
O
reconhecimento (e raridade) das pessoas que “resolvem problemas” foi brilhantemente captada por Elbert Hubbard,
num folheto amplamente divulgado ao longo dos últimos 100 anos (mais de 40
milhões de exemplares – o que faz dele um dos textos mais lidos no mundo).
Poucos
saberão quem foi Hubbard mas o impacto desse texto foi de tal ordem que deu
origem a uma expressão popular, que se espalhou pelos quatro cantos do mundo:
seja em que país for, toda a gente sabe o significado da expressão “levar a carta a Garcia” popularizada
pelo dito folheto: significa cumprir eficazmente uma missão, por mais difícil que ela possa parecer.
Mas afinal
quem é que “levou a carta a Garcia”?
Em 1898, Cuba
era uma colónia de Espanha. Nesse ano, o navio militar americano USS Maine foi
destruído em Havana, tendo os norte-americanos alegado que o navio fora
sabotado pelos espanhóis. Esse conflito diplomático gerou uma escalada de
argumentos que, rapidamente, conduziu à guerra entre os dois países. O
presidente americano – William MacKinley
- desesperado
por conseguir aliados, tentou contactar o general Garcia, o chefe
da resistência Cubana.
É esse episódio que inspirou Hubbard a escrever
o seu folheto. Na altura, prestes a entrar no sec. XX – os EUA eram, de facto,
a terra da oportunidade. Mas as oportunidades não estão isentas de riscos. Para
as aproveitar era (e é) necessário espirito empreendedor, ideias que gerem
vantagens competitivas e trabalho árduo e resiliente para as pôr em prática.
Hubbard serve-se então do exemplo do
mensageiro americano, encarregue de uma missão aparentemente impossível, para
louvar essas qualidades.
Eis o texto (resumido):
“Quando
rebentou a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, era necessário entrar
rapidamente em contacto com o chefe dos rebeldes cubanos. O general Garcia
encontrava-se nas montanhas agrestes de Cuba, mas ninguém sabia exactamente
onde. Não havia meio de comunicar com ele, nem pelo correio nem pelo telégrafo.
O presidente dos Estados Unidos tinha que
assegurar, com a maior urgência, a sua cooperação. Como proceder?
Chamou,
então, Rowan e confiou-lhe uma carta
com a incumbência de a entregar a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a
carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após
quatro dias, saltou de um barco, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no selva
tropical, para depois de três semanas, surgir do outro lado da ilha, tendo
atravessado a pé um país hostil e entregando a carta a Garcia – são coisas que
não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente.
O
ponto que desejo frisar é este: MacKinley deu a Rowan uma carta para ser entregue
a Garcia; Rowan pegou na carta e nem sequer perguntou: Onde é que ele está?
Eia
aqui um homem cuja estátua devia ser colocada em todas as escolas do país. Não
é de sabedoria livresca que a juventude precisa. Precisa, sim, de um
endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se à altura do exercício de um
cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar
uma mensagem a Garcia.
O
General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A nenhum homem que
se tenha empenhado em levar avante uma empresa, em que a ajuda de muitos se
torne precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade
de grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição de
concentrar a mente numa determinada tarefa e fazê-la.
O
próprio leitor comprová-lo-á. Chame um dos seus colaboradores e peça-lhe:
“Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e de me fazer uma descrição
sucinta da vida de Corrégio.”
O
trabalhador olhá-lo-á de soslaio e responderá com uma longa lista de questões:
“Quem é esse? Em que enciclopédia devo procurar? Onde é que está a
enciclopédia? Por acaso fui contratado para fazer isso? Tem a certeza que não
quis dizer Bismark? Porque é que não pediu ao Carlos? É muito urgente? Não pode
esperar por amanhã? Não será melhor
trazer-lhe a enciclopédia para o senhor procurar? Para que é que quer saber
isso?
Será
possível confiar-se a um tal homem uma carta para entregá-la a Garcia? (…)
Ultimamente
temos ouvido muitos lamentos de simpatia para com o número de desempregados - quase
sempre, entremeado de muitas palavras duras para com aqueles que estão no poder.
Mas nada se diz do patrão que envelhece antes do tempo, tentando em vão que os
seus colaboradores façam um trabalho diligente e empenhado, numa luta diária
contra aqueles que, mal ele vira as costas, “arrastam os pés” e fazem o menos
possível.
Para
que uma empresa prospere, tem de estar constantemente em busca dos melhores
trabalhadores, substituindo os maus elementos. Os incompetentes, aqueles que
não trazem valor à empresa, serão sempre chamados a sairem. (…) Mas é também do
interesse de qualquer patrão manter os melhores - aqueles que podem levar a carta
a Garcia.
Talvez
me tenha expressado de forma demasiado severa. Mas enquanto a marioria se
compadece por aqueles que falham, quero lançar uma palavra de simpatia para
aqueles que prevalecem; aqueles que, apesar de todos os obstáculos, fazem as coisas acontecer.
Não
há excelência na pobreza por si; farrapos não servem de recomendação. Nem todos
os patrões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres
são virtuosos.
Toda
a minha simpatia vai para o homem que trabalha conscienciosamente, quer o
patrão esteja, quer não. E o homem que, ao ser-lhe confiada uma carta para
Garcia, a toma nas suas mãos sem fazer perguntas e sem outra intenção que não
seja entregá-la ao seu destinatário, esse homem nunca ficará sem trabalho, nem precisa
de entrar em greve para obter um aumento de ordenado.
É
destes homens que que a civilização precisa. É destes homens que o progresso é
feito. Tudo o que tal homem pedir, é merecido e ser-lhe-á de conceder.”
Conclusão: Com o evoluir da sociedade ocidental, o
valor do esforço, do espirito de sacrificio, do mérito, foram sendo esquecidos.
O estado social - idealizado para garantir minimos de uma existência condigna
para todos - foi pervertido, passando a prometer tudo, a todos, sem esforço. Aos menos capazes passaram
a ser oferecidos todos os apoios (e bem!) mas sem que lhes fosse exigido nada
em troca. Aos mais ricos, por seu lado, dispensam-se todas as cautelas e
salamaleques (dado que são eles quem financia a economia, quem tem poder de
influência, e que, quando estão mal, se podem mudar para outros paises, levando
consigo investimentos e capitais, convém não os hostilizar). O que acontece, então,
quando – como agora – os estados estão sobre-endividados e a promessa do “tudo
para todos” parece cada vez mais distante? Explora-se
a classe-média, alvo de todas as taxas e impostos.
Ora, na sociedade – como nas empresas – há que incentivar
uma cultura de mérito. Uma sociedade justa não abandona os mais desafortunados à sua
sorte - mas também não mata o empreendedorismo. Uma sociedade justa promove o
esforço, o valor do trabalho, a vontade de ir mais além.
Não podemos suspirar por uma geração que
resolva problemas, construa obra, “leve a carta a Garcia” se o espírito que
incutimos é de facilitismo, se abafamos o espirito de iniciativa necessário
para criar soluções (em vez de problemas) e se matamos a crença de que é
possível progredir na vida à base dos frutos do nosso trabalho.
Cabe-nos, portanto, a nós criar espíritos
audazes, crentes de que vale a pena o esforço de “levar a carta a Garcia”.
* Colaborador nas publicações do Blogue desde Outubro de 2013.
Postado por Davide Gouveia às quinta-feira, outubro 10, 2013